segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Kimo, o pit bull mais bonzinho


Quando o Kimo chegou à clínica era o retrato preciso do cão maltratado pela vida. O dono me contou que tudo começou quando ele era filhote e foi cortar as orelhas (graças ao bom senso da humanidade esse procedimento agora é proibido). As orelhas foram cortadas sem padrão e ficaram extremamente curtas e endurecidas, o que provocava desconforto no pobre do Kimo. Depois de adulto sofreu com muitos problemas urinários, cálculos na bexiga e foi submetido a algumas cirurgias.
Olhando para aquele pit Bull de 9 anos, mal conseguindo ficar de pé, extremamente magro e cheio de erupções e inchaços na pele e nas pálpebras, eu não sabia por onde começar o exame!E ainda tinha um certo receio porque, mesmo sabendo que Pit Bull não é o vilão que pintam, não custa nada ter um pouco de precaução, né?
Kimo estava todo a vontade, muito dócil, me deixou fazer tudo que precisava e o internei. A febre era muito alta, sentia dores e a magreza extrema me preocupava. Era uma vítima da vida, dos tratamentos prolongados com medicamentos para combater a erliquiose, a anemia e os problemas de pele. E de muitos procedimentos anestésicos e cirúrgicos sem acompanhamento posterior. O que eu tinha em minhas mãos agora era um cão muito velho, com insuficiência renal e hepática. E uma erliquiose crônica, resistente ao tratamento.
Kimo ficou internado 15 dias, me afeiçoei a ele e conversava com ele regularmente. O quadro agravava-se dia após dia e tudo que podia ser tentado, estava sendo. No seu penúltimo dia de vida, antes de iniciar a diálise, ele me olhou nos olhos de um jeito tão profundo que sentei no colchonete ao seu lado, abracei seu pescoço e chorei como se essa fosse a primeira despedida da minha vida. Fiz um monte de recomendações a ele e pedi que desse alguns recados para os meus cães que já foram pro canil do céu. O Pretinho, especialmente. E prometi ao Kimo que não o deixaria sentir dor. No dia seguinte, após a diálise, eu já tinha certeza que seria o último dia dele. Fiz tudo que podia para que ele ficasse sem dor e tranqüilo. Gostaria de ter segurado sua pata imensa e magra até o seu último suspiro, mas era hora de revesar os cuidados com o Dr. Leandro, meu marido e veterinário preferido. Fiz uma dose extra de analgésicos e, na manhã seguinte, o Leandro me avisou que o Kimo havia partido, pouco depois que o deixei. A última cena que tenho em minha mente é aquele olhar, aquela pata enorme, e o meu sentimento de total impotência diante da morte que chega, muito mais forte que eu.