quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Chicão num domingo de sol e soro

Chicão foi um dos cães que passou pela minha vida e mudou muitos dos meus conceitos e pré-conceitos sobre os Bull Terrier e seu interesse por humanos. Carinhosamente eu sempre fazia o trocadilho e o chamava de “burro terrier”. Não que a raça seja burra, mas ao comando de direita eles viram à esquerda, quando se diz “senta” eles levantam e por aí vai. Mas é pura distração, não é burrice...
Mesmo sendo veterinária e tendo aquele padrão obrigatório de saber ao menos um pouco de cada raça, eu ainda não tinha convivido com muita frequência com um Bull terrier. Achava que eram todos encrenqueiros, brigões e antipáticos. Tinha medo daqueles olhinhos puxados e ficava esperando um ataque súbito de ira a qualquer momento. Chicão me fez conhecer a raça e amoleceu meu coração em relação à ela de tal modo que hoje eu gostaria de ter todos os Bull deitados na minha cama e olhando pra mim com aquela cara de “quem?” “Onde?” “Cadê?”.
Eu acompanhei essa ferinha desde bebê, bem bebezinho mesmo. E, para o dono dele, o Francisco, ele virou realmente um bebê e era chamado assim. “Chicão” era só para apresentações formais. Para seu pai humano e para os mais íntimos era o Bebê.
Bebê aprontou muitas. E sempre que ia até a clínica me olhava com aqueles olhinhos puxados e demonstrava toda a sua fragilidade e carência. Seria capaz de ficar horas recebendo carinho na cabeça; eu apertava seu focinho, batia no bumbum gorducho dele e tinha todos os ataques de Felícia que quisesse. Ele continuava me olhando com aquela carinha de quem queria continuar a brincadeira e estava felicíssimo com aquilo. Nenhum ataque de fúria, nem um rosnado. A maior paz, o maior carinho.
O triste foi que o Chicão um dia ficou muito doente. Internado, ele ficava na clínica durante o dia e à noite ia para a minha casa. O dono preferia assim. E veterinário é desse jeito: cuida de cada bicho como se fosse seu, leva pra casa, coloca pra dormir ao lado da cama. Em cima dela, se precisar!
Num domingo, após uma transfusão sanguínea, Chicão reagiu um pouco e o levei para tomar um pouco de sol no quintal da minha casa. Ele, sempre no soro, abanou a cauda e me olhou com olhinhos mais puxados ainda. Tive a impressão que ele sorriu. E se despediu do dia claro, do ar puro, da doença que começava a lhe causar dor e sofrimento. Juntando todas as suas forças, caminhou na grama, comeu um pouco, bebeu água e voltou para seu cantinho de internamento dentro de casa.
Apesar de todos os esforços, empenho e luta, o Bebê Chicão não resisitu. A Leishmaniose foi mais forte que ele. E num lugar onde é proibido o tratamento da doença, só nos restava dar a ele o conforto e bem estar que ele merecia até o seu último segundo de vida.
Como quem se despede, naquela noite ele colocou a cabeça sobre as minhas mãos, olhou nos meus olhos e suspirou longamente.
Na manhã seguinte ele se foi, me deixou de coração partido, mas me ensinou sua lição. Seu olhar ficou.

4 comentários:

  1. Chorei....

    Ana Carol
    www.casadinhos.com.br/blog

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  2. Karine!!! Que lição de vida, hein?! nossa.. arrepiei com esta história!! Queria dar um abraço nele também, e bem apertado!!! Lindo seu depoimento!!!
    Marilia

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  3. É Ka, realmente você tinha uma impressão errada dos bulls,assim como eu também tinha, principalmente em se tratando do Chicão, dos ataques que você esperava antes de conhecer esse cara branquinho, ele só tinha os de sinestisia, nos momentos mágicos para ele, em que se encostava em alguma planta, e ficava viajando nas sensações que eram só dele. Isso sem comentar no quanto ele era carinhoso, e sem noção alguma do próprio tamanho, pois teimava em sentar no colo da gente como se fosse um cão pequenininho...rs. E quando emitia os sons mais estranhos, onde parecia querer conversar. Realmente ele foi uma figurinha única em nossas vidas, e por isso só tenho a agradecer a você que sempre cuidou dele com tanto carinho até seu último dia, e agradecer a ele por ter feito parte da minha vida e ter me ensinado tanto, e ter me deixado com um gostinho de quero mais com a sua partida tão precoce.

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  4. Oi Karine, lembra de mim?? haha
    Espero que sim. Fico feliz que tenha voltado com um blog.
    Desde o borboleta sinto falta de suas palavras.
    Não pense que teu sumiço fez eu esquecer do período tão bom que foi enquanto esteve no borboleta. Foi adorável te conhecer.

    Mais adorável foi notar esse teu imenso amor que tens pelos bichinhos que você cuida. Desde o início sempre achei admirável. Acho que isso é essencial. O amor que tu tens faz a diferença. Esse comprometimento te faz ser a ótima profissional que és. E tu conquistou isso com muita perseverança e talento. Não duvido.

    E é com essas histórias que percebemos um pouco mais do verdadeiro sentimento que existe em volta dos animais.

    Fico feliz por você.
    Beijos
    :)

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